QUE PELE HABITO NESTE CARNAVAL?

 A pele é o revestimento externo do corpo. É considerada o maior e o mais pesado órgão do corpo humano.
Por ser o mais externo, é talvez o primeiro que vemos e tocamos quando prestamos atenção uns aos outros. A sua superficialidade esconde o enigma e a profundidade que é sempre o ser humano (a sua alma). Na verdade, ela pode: ser macia; ter cicatrizes; demonstrar rugas; estar tapada; renovar-se; ser limpa… Neste âmbito, a alma começa e resplandece no corpo ao mesmo tempo que nele se opaca e, por isso, Paul Valéry escreveu: «o mais profundo é a pele».
Por outro lado, a pele define a impressão que temos uns dos outros. A pele carrega aquilo que cada um pretende dizer de si e aquilo que os outros esperam de nós, na representação que se faz no palco do mundo. Cada representação corresponde às múltiplas roupagens de que se pode revestir, sendo, por vezes, a própria nudez uma roupagem. Assim, a pele pode tornar-se o maior e o mais pesado fardo a carregar.
O Carnaval, longe de ser o “adeus à carne” (que a sua raiz etimológica indica, e que a identifica com um tempo que antecede a penitência e a privação da Quaresma), é talvez o momento do ano em que mais repensamos e parodiamos a pele que já habitámos, agora habitamos, ou gostávamos de habitar. Não se trata propriamente do que levaremos no baile de máscaras do bairro, mas daquilo que representamos quando vivemos.
Por ser tempo em que nos debruçamos sobre a pele que habitamos, na sua autenticidade ou representação, o Carnaval pode ser tempo que nos reconduz à verdade de nós mesmos e à verdade que o outro é. Pode ser tempo de efetiva preparação de uma Quaresma em que «prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (Heb 10, 24). Aí, «quando nos conseguirmos deixar tocar pelo outro e tocá-lo, poderemos dizer que somos nós próprios porque deixámos cair todas as máscaras» (Ermes Ronchi).