ALGUÉM QUE NOS OLHE COM ESPERANÇA
Ao aproximar-se a Festa das Famílias inter-paroquial, somos convidados a aprofundar a família como célula fundamental na construção do mundo e da Igreja. A sua importância está no facto de ser no seu seio que cada um de nós aprende o que é ser olhado com esperança, quer por quantos nos rodeiam, quer pelo próprio Deus.
Sobre esta necessidade de valorizarmos quantos nos olham com esperança, diz-nos o Pe. Tolentino Mendonça no seu novo livro Pai Nosso, que estais na Terra:
"Precisamos de alguém que nos olhe com esperança. Miguel Ângelo dizia que as suas esculturas não nasciam de um processo de invenção, mas de libertação. Ele olhava para as pedras toscas, completamente em bruto, e conseguia ver aquilo em que se podiam tornar. Por isso, ao descrever o seu ofício, o escultor explicava: «O que eu faço é libertar.» Estou convencido que as grandes obras de criação (também a da criação e da recriação do Homem) nascem de um processo semelhante, para o qual não encontro melhor expressão do que esta: exercício de esperança. Sem esperança só notamos a pedra, o caráter tosco, o obstáculo fatigante e irresolúvel. É a esperança que entreabre, que faz ver para lá das duras condições a riqueza das possibilidades ainda escondidas. A esperança é capaz de dialogar com o futuro e de o aproximar. A nossa existência, do princípio ao fim, é o resultado de uma profissão de fé.
Tudo e todos somos caminho, experiência do inacabado, indagação no incompleto, dureza e opacidade da pedra. As obras-primas não irrompem de geração espontânea. São o fruto desta gestação paciente e lentíssima onde estamos. Mas, sem a esperança, sem este ato de crer, este ato de amor, nenhuma obra-prima existe. Cada uma das peças de Miguel Ângelo exigia certamente mármore selecionado, mas também muita esperança. O mármore podia até ser de melhor ou pior qualidade, como o provam as célebres esculturas inacabadas dos escravos que estão no Museu do Louvre. Mas a esperança é que nunca pode decrescer. Nas coisas mais pequenas como nas grandes, encontramos o mesmo chamamento à esperança. Naquele que é talvez o mais belo poema sobre a esperança, Charles Peguy afirma: «A fé que mais me agrada é a esperança.»"